Pequeno ensaio acadêmico produzido pela acadêmica de doutorado Bruna Hamerski
As formas de exercer o
sufrágio presentes na Constituição Federal de 1988 são o plebiscito, o
referendo e a iniciativa popular (BRASIL, 1988). Tais ferramentas vão ao
encontro de um modelo objetivo de participação, uma vez que o plebiscito
consiste em uma consulta prévia à população (antes de entrar em votação na
câmara), referente a determinado assunto, e o referendo consiste em consulta
posterior à população (depois que o projeto já foi votado). Em ambas as
situações, a população vota a respeito do assunto. Já a iniciativa popular
consiste em projeto de lei elaborado pela população, mediante assinatura de um
por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com
não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (BRASIL,
1998). Veja só quantos números, ou seja, por mais que existam práticas para
além do voto para eleger o representante, elas também são qualificadas por um
critério objetivo. A iniciativa popular, apesar de ainda não ser uma forma tão
ambiciosa de participação, é a que mais avança. Mas o curioso é que, em 30
anos, apenas quatro projetos de iniciativa popular foram aprovados pelo
congresso, sendo eles: Lei 8.930/1994: o caso Daniella Perez, Lei 9.840/1999:
combate à compra de votos, Lei 11.124/2005: moradia popular e Lei Complementar
135/2010: a Lei da Ficha Limpa (G1, 2021). É claro que esta afirmação é ampla e
há a necessidade de analisar cada projeto, uma vez que há muitos projetos que
vão contra a própria participação popular, mas é curioso o fato de que apenas
quatro projetos foram aprovados.
Outro fator curioso pode
ser observado quando falamos do recall e do veto popular. O recall consiste
na possibilidade de a sociedade revogar o mandato de determinado governante. Já
o veto popular consiste na possibilidade de os cidadãos bloquearem uma
iniciativa legislativa. Estas duas ferramentas são dispositivos poderosos de
participação da Sociedade Civil. Entretanto, apesar de já terem sido objetos de
projeto de lei, ainda não foram aprovadas (SENADO FEDERAL, 2015; CAMARA DOS
DEPUTADOS, 2017).
Ademais, cabe destacar as
experiências de gestão participativa que surgem com os conselhos de políticas
públicas e orçamentos participativos. Experiências estas que acontecem na
atualidade, apesar de não haver uma lei geral sobre conselhos, por exemplo. No
entanto, muitas vezes, o Poder Público não leva em conta as decisões tomadas no
âmbito dos conselhos, fazendo com que estas experiências, na prática, acabem
funcionando apenas como formas consultivas, por parte do Poder Público
(HAMERSKI, 2021, no prelo).
Por que isso acontece? Por que, historicamente, o modelo
representativo tem sido hegemônico quando estamos falando de participação?
Este trabalho quer argumentar a respeito de uma possível resposta para esta
pergunta: a defesa deste modelo, e também a tentativa de derrubada de modelos
que se mostrem mais abertos à participação da Sociedade Civil está relacionada
a dois elementos: aos valores ideológicos dos governantes que chegam ao poder e
à base epistemológica hegemônica dos estudos sobre participação popular. Em
vista disso, este texto tem por objetivo
apontar elementos que demonstram a relação entre a hegemonia da democracia
liberal/burguesa na participação popular e as bases epistemológicas dos
defensores deste molde de participação.
Para tanto, início
trazendo uma possível analogia: a democracia liberal está relacionada aos
modelos positivistas de compreensão da realidade e a democracia participativa
e/ou deliberativa está relacionada aos modelos de caráter interpretativista de
compreensão da realidade, as duas, além disso, estão relacionadas aos valores
ideológicos de seus defensores. Tendo em vista estas preposições, a seguir
serão apresentados os elementos dos respectivos modelos de participação e a
relação com a abordagem epistemológica e com os valores ideológicos dos
defensores de cada modelo de participação.
Pode-se observar que, até
aqui, foram mencionados dois autores clássicos. No entanto, ao avançar para
autores da democracia contemporânea, inclusive autores que analisaram a entrada
das massas no processo decisório, como Dahl (2003), não se observa muitas mudanças
de pensamento em relação ao avanço de um modelo representativo para uma
democracia direta. Para Dahl (2003), a democracia depende de mecanismos
institucionais, sendo ela um método político, e não um princípio, um valor que
deva estar assentado nas bases sociais. Ademais, Dahl não desconsidera as
instituições em seu modelo de pensamento sobre participação popular.
Ao observar os critérios
levados em conta para validar a participação no modelo liberal (um indivíduo =
um voto), nota-se que estes se assemelham a visões objetivas da realidade, uma
vez que consideram critérios numéricos e percentuais para validar a
participação da Sociedade Civil. Tal interpretação da realidade pode ser
encontrada no paradigma positivista, segundo o qual a realidade é observada a
partir de uma lógica mecanicista e carente de profundidade (BRACKEN, 2010).
Entretanto, é necessário que esta abordagem seja observada com muito cuidado,
uma vez que, ao tentar aplicar critérios objetivos a elementos subjetivos na
análise, há um grande risco de distorção da realidade (TSOUKAS, 2005).
O paradigma positivista
deriva de uma visão de mundo chamada de realismo, segundo a qual a realidade é
compreendida de uma maneira objetiva, dando origem a técnicas mais estruturadas
para análise e interpretação da realidade (SACCOL, 2009). Tal elemento vai ao
encontro da lógica do modelo representativo, uma vez que os defensores deste
modelo acreditam no voto como ferramenta mais adequada de participação da
Sociedade Civil.
Argumenta-se que a abordagem
positivista vai ao encontro do modelo representativo porque ela parte do
pressuposto de que a realidade já está dada, não sendo necessária uma interação
entre sujeito e objeto e, neste caso, fazendo a analogia com a participação,
entre o Estado e a Sociedade Civil. Portanto, parte-se do pressuposto de que o
voto seria suficiente para efetivar a participação e de que o resultado
numérico dele seria o suficiente para garantir a congruência entre os anseios
da Sociedade Civil e o conteúdo das decisões administrativas dos governantes
que chegam ao poder. Do mesmo modo, uma abordagem positivista de interpretação
da realidade que, via de regra utiliza critérios quantitativos e formulação de
hipóteses, teria a mesma visão de interpretação da realidade: os números são
suficientes para chegar aos resultados pretendidos.
Mas será que este modelo
não distorceria a participação, assim como pode-se dizer que determinada
ferramenta utilizada pelo pesquisador pode distorcer o objeto de pesquisa?
(TSOUKAS, 2005) Seria esta distorção proposital? Esta é uma visão de muitos
defensores da corrente que se coloca em oposição à democracia liberal: a
democracia participativa e, mais recentemente, a democracia deliberativa.
Argumenta-se, neste texto, que a democracia participativa estaria ligada à abordagem
interpretativista, que deriva de uma dimensão que considera a interação entre o
pesquisador e o objeto de pesquisa para entender a realidade. Nesta abordagem,
os métodos de coleta de dados não costumam ser estruturados e sua posterior
análise não é estatística. Aliás, não há uma forma consolidada de interpretar
os dados analisados, o que requer maior rigor no momento de explicar como a
pesquisa foi realizada (SACCOL, 2009).
Ademais, é necessário
destacar que, no uso das abordagens interpretativistas, atribui-se uma
importância maior ao rigor e cuidado para que a posição ideológica do
pesquisador não interfira na interpretação do objeto, cabendo destacar que a
posição ideológica do pesquisador, caso a pesquisa não seja levada com rigor,
pode impactar os resultados da pesquisa (BRACKEN, 2010).
No entanto, esta
abordagem possui diversos pontos positivos, possibilitando o aprofundamento em
relação ao objeto de estudo, possibilitando a criação de novas teorias e
renovação do que já foi escrito sobre o assunto (CUNHA; REGO, 2019). Em relação
à temática da participação, como seria possível propor um modelo alternativo de
participação direta se os estudos existentes, em sua maioria, baseiam-se em
países de primeiro mundo, não permitindo uma transposição destes estudos
adequada às peculiaridades dos países latino-americanos? Esta é uma das
vantagens, e, talvez, a principal, dos estudos qualitativos sobre a temática da
participação popular.
Ora, é dessa mesma forma
que os teóricos defensores da participação direta e, desse modo, da democracia
participativa e, mais recentemente, da democracia deliberativa, interpretam a
realidade. Para os defensores de uma participação mais efetiva da Sociedade
Civil, é necessário que haja interação, diálogo, deliberação, para que,
posteriormente, ocorra a institucionalização da esfera pública, o
momento no qual as decisões da Sociedade Civil são levadas em conta para compor
o conteúdo das decisões administrativas (PATEMAN, 1992; 2012; HABERMAS, 1997).
Os autores que defendem
uma democracia mais direta vão ao encontro de um modelo interpretativista de
compreensão da realidade não apenas por enxergarem que a dinâmica da
participação está inserida numa dimensão subjetiva, complexa, mas porque, para
entender a complexidade da participação, é necessário que o modo de enxergar
esta realidade também seja complexo (TSOUKAS, 2005).
Com as mudanças
tecnológicas, surge a necessidade, cada vez maior, de aderir a um método mais
complexo de interpretação da realidade (TSOUKAS, 2005). No caso brasileiro, e
aqui destacando os conselhos de políticas públicas, nota-se que são espaços
onde diversos atores da sociedade civil levam suas opiniões e valores para o
jogo. Opiniões, crenças e valores que são formados previamente por esses
atores, sejam eles empresas privadas, terceiro setor, entidades de classe ou
usuários de políticas públicas. Entender todo esse processo, desde o contexto
histórico-cultural de cada indivíduo até sua opinião levada para a esfera
pública e como se dá esse processo de decisão não é uma tarefa fácil, sendo
necessário, portanto, uma análise mais complexa deste contexto.
Por isso, argumenta-se
neste trabalho que a abordagem interpretativista vai ao encontro da democracia
participativa porque a primeira considera a interação entre sujeito e objeto
para interpretação da realidade, ao passo que a democracia participativa e/ou
deliberativa considera a interação e/ou deliberação entre Estado e Sociedade
como caráter prévio para a tomada de decisão pelo Poder Público.
No caso da participação,
mesmo que as ferramentas de democracia participativa não estejam
institucionalizadas, em outras palavras, não há uma lei geral sobre conselhos,
por exemplo, elas costumam ser efetivadas na prática, combinadas com o modelo
representativo. Do mesmo modo, estabelecendo a relação com a ciência, uma
alternativa apresentada pela literatura é a utilização de métodos mistos de
pesquisa (BRACKEN, 2010).
A pesquisa objetiva, mais
orientada a dados quantitativos, pode ser útil para a obtenção de dados mais
amplos sobre o tema. No caso da participação, uma abordagem quantitativa pode
ser um mapeamento de todos os conselhos de políticas públicas, em nível
nacional, bem como do número de resoluções elaboradas por eles e aprovadas pelo
Poder Público em determinado recorte temporal. Já uma abordagem qualitativa
pode ser a realização de entrevistas com um membro de cada um destes conselhos,
visando entender o porquê de determinadas resoluções não terem sido aprovadas,
por exemplo. Dizer que mais de 50% das resoluções dos conselhos foram aprovadas
e que, por isso, o poder público atende das demandas da Sociedade Civil não é
uma afirmação que pode ser feita, uma vez que há diversos tipos de resoluções
feitas pelos conselhos, como, por exemplo, as resoluções de seu próprio
funcionamento, que não implicam em nenhuma mudança nas políticas sociais. Se
50% das resoluções foram acatadas pelo poder público, mas nenhuma delas dizia
respeito às políticas públicas ou ao montante de recursos, não é possível
afirmar que haja congruência entre os anseios da Sociedade Civil e o conteúdo
das decisões administrativas.
Mas por que a
participação foi escolhida para fazer essa reflexão entre visões de mundo e
maneira de enxergar a realidade? Por que a participação e não outro elemento?
Não apenas para mostrar que o modelo representativo está ligado a uma
epistemologia mais positivista e o modelo participativo a uma epistemologia
interpretativista, mas também para se questionar a respeito do motivo. Afinal,
é um fato explicitamente exposto na realidade que o modelo representativo é
predominantemente quantitativo e o modelo participativo está relacionado a uma
dimensão mais subjetiva da participação, uma vez que o voto é a ferramenta
presente na Constituição Federal de 1988 como forma de exercer o sufrágio
universal (BRASIL, 1988), enquanto que, em relação à participação cidadã nas
políticas públicas em caráter deliberativo, o que se observa na carta
constitucional é apenas “O Estado exercerá a função de planejamento das
políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos
processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas
políticas (BRASIL, 1988, art. 193, parágrafo único). Ou seja, não há uma lei
geral sobre conselhos ou a presença destes de forma explícita na Constituição
Federal de 1988. Mas por que há uma disputa velada entre esses dois modelos?
Por que os defensores da democracia liberal argumentam que a democracia
participativa não é eficaz mesmo depois das experiências dos conselhos de
políticas públicas e orçamentos participativos? (DAGNINO, 2004).
Porque a adoção de determinada
abordagem epistemológica e defesa de determinada teoria não está relacionada
apenas à forma de enxergar a realidade, mas também à realidade que o
pesquisador deseja alcançar, ao que ele almeja em um mundo ideal. Aqui entra o
debate sobre ideologia e a crítica à forma como ela pode ser utilizada para
consolidar determinados tipos de poder e, no caso da participação, de Controle
Social (DEMO, 1995). Nesse sentido, o debate sobre participação é um exemplo
claro sobre as formas de justificativa do ultraliberalismo para se perpetuar
como modelo hegemônico, ressignificar a participação, a menor, defendendo novas
visões de Sociedade Civil, Cidadania e Participação (DAGNINO, 2004).
Carlos Estevam Martins
(2003) em seu texto Liberalismo: o
direito e o avesso, discorre de maneira clara sobre a hegemonia do
liberalismo em todas as esferas. Para o autor, quem se contrapõe ao liberalismo
enfrenta tarefas difíceis, destacando como principal a necessidade de
separar-se do liberalismo, definindo-o como algo a ser repudiado, e, em segundo
lugar, conceber a democracia como um ideal distinto (MARTINS, 2003, p. 619).
Para tanto, utiliza-se do discurso: “o liberalismo é tudo, fora dele não há
nada que preste” (MARTINS, 2003, p. 629). A esse discurso o autor dá o nome de
boca de jacaré, que absorve tudo para o liberalismo e considera tudo que for a
favor dele como bom e o que for contra como autoritário, numa era em que o
liberalismo, como forma de hegemonia, absorveu as contribuições positivas da
esquerda (MARTINS, 2003). Para o autor: “Nas lutas ideológicas, a indefinição
oferece muitas vantagens. Uma delas é ofuscar a visão dos outros” (MARTINS,
2003, p. 620).
Argumentar a respeito de
um modelo quantitativo e objetivo de participação cidadã não seria uma forma de
ter a possibilidade de distorcer a subjetividade da participação? Defender esse
modelo a qualquer custo, mesmo havendo novas teorias e pensadores
contemporâneos trazendo teorias alternativas de participação não seria uma
forma de colocar a ideologia acima da ciência? A participação nos conselhos de
políticas públicas realmente é ineficaz, sendo que o que se observa são os
conselhos elaborando resoluções que são completamente contrariadas pelo Poder
Público?
Diversos estudos
(KRONEMBERGER et al., 2012; MIWA; SERAPIONI; VENTURA, 2017; DELE;
OLIVEIRA, 2021) apontam a baixa participação da Sociedade Civil nos conselhos
municipais, mas os plenários dos conselhos são divulgados amplamente? O espaço
é adequado e suficiente para uma grande quantidade de pessoas? Por que não há
uma lei geral/federal sobre conselhos? Por que há uma ênfase na participação da
sociedade na constituição federal, mas os conselhos não estão presentes na
carta constitucional?
Afinal, conforme Demo
(1995), a interpretação rigorosa da realidade flerta com a ideologia e o senso
comum, não podendo ser confundida com nenhum dos dois, mas como não há limites
rígidos entre os conceitos, é necessário que a análise seja feita com rigor. No
caso da ideologia, fica a reflexão sobre uma possível distorção do que seria a
verdadeira participação, usando como argumento de defesa um critério
quantitativo, visando perpetuar determinada visão de mundo como hegemônica, o
que tem acontecido com sucesso, no caso do ultraliberalismo.
No caso brasileiro,
apesar da Constituição Federal de 1988 e sua ênfase na participação cidadã ter
feito com que várias experiências de participação, em tese, direta, tivessem
surgido no Brasil, não é possível dizer que elas foram consolidadas. Essa
poderia ser uma alternativa interessante de combinação de abordagens mistas de
participação, combinando o voto com as deliberações nos conselhos de políticas
públicas e orçamentos participativos e, portanto, combinando o caráter
positivista, mais objetivo, do voto, com a subjetividade do consenso que pode
ser obtido nas práticas de gestão participativa.
No entanto, o que se
observa, na maioria dos casos, não é essa combinação. Mas a tentativa de
invalidação da participação nos conselhos por parte do Poder Executivo, ao não
acatar as decisões tomadas nas resoluções elaboradas após as plenárias dos
conselhos. Seria este um caso de interferência ideológica?
Assim, destaca-se o
caráter positivista do modelo de democracia liberal, devido ao sistema de voto
como método hegemônico de participação, e o caráter interpretativista dos
defensores da democracia participativa e da democracia deliberativa, cujas
decisões devem ser tomadas a partir do consenso e diálogo. Ou seja, a primeiro
admite a realidade social como independente da interação entre Estado e
Sociedade Civil, considerando suficiente uma forma de participação que depende
unicamente de um critério objetivo. Já a segunda compreende a interação entre
sujeito e objeto – Estado e Sociedade Civil – como fundamental para uma
implementação de políticas públicas mais qualificada e eficaz.
Ademais, destaca-se que a
adoção de determinado modelo de participação não advém apenas da forma de
interpretação da realidade por parte de seus defensores, mas também devido à
necessidade de perpetuação da hegemonia de determinados tipos modelos de
Estado.
Por fim, destaca-se que o posicionamento da autora
deste trabalho é a favor da combinação de abordagens, seja na pesquisa, seja
nas decisões coletivas. As informações oriundas de dados quantitativos são
importantes para trazer um panorama geral sobre determinado tema, ou, no caso
da participação, para manifestar a opinião geral da Sociedade. Mas é justamente
pelo fato de as práticas de gestão participativa não estarem
institucionalizadas que a opinião da Sociedade Civil deve ser ouvida, ou, no
caso da pesquisa, a opinião de determinado sujeito, que está diretamente
vinculado à uma realidade social específica, cujas informações não podem ser
obtidas a partir de uma variável. Isso é importante para que, no caso da
pesquisa, o objeto não seja distorcido e, no caso da participação, a opinião da
Sociedade Civil não seja levada em conta apenas quando vai ao encontro do Poder
Público.
Este texto teve como objetivo principal trazer uma reflexão sobre a relação entre a democracia liberal/burguesa, no âmbito da qual se destaca o modelo representativo, e as bases epistemológicas dos defensores deste tipo de participação. Ademais, buscou refletir sobre a possibilidade de interferência dos valores ideológicos na defesa de determinadas formas de participação.
Como principais apontamentos e reflexões, o texto buscou chamar atenção para a relação entre a análise quantitativa, estruturada, advinda da lógica positivista e o modelo representativo (um indivíduo = um voto), que se coloca em oposição ao modelo participativo, que usa uma dimensão subjetiva para interpretar a participação, sendo, portanto, oriunda de um caráter mais subjetivo de interpretação da realidade, estando relacionado a visões interpretativistas.
Ademais, também buscou trazer a reflexão de que, no
caso da participação popular, determinados argumentos e defesas de determinados
modelos de participação podem estar relacionados não apenas à abordagem
epistemológica dos defensores deste modelo, mas também aos seus valores
ideológicos, que podem ser utilizados com o objetivo de perpetuar determinada
visão de mundo e solidificar estratégias de controle social. Defensores, estes,
que podem, inclusive, usar de argumentos científicos para distorcer a
verdadeira participação popular.
Destaca a importância da adoção de métodos mistos de
participação, com o intuito de combinar diferentes critérios de interpretação
da realidade e de manifestação de opinião da Sociedade Civil, visando
possibilitar maior congruência entre os anseios dos cidadãos e as decisões dos governantes
que estão no poder.
Cabe salientar que é sabido que a participação
popular, sobretudo a qualificação da participação direta da Sociedade Civil nas
políticas públicas, ainda enfrenta muitos desafios. Em parte, pela falta de uma
cultura participativa, mas também em parte pelos valores ideológicos e visões
de mundo que os defensores de diferentes formas de participação possuem.
Entretanto, as práticas de gestão participativa precisam ser analisadas com
cuidado, não se deixando levar pelos valores ideológicos de alguns críticos da
participação popular e da formação de uma cultura participativa.
O posicionamento da autora deste trabalho é na defesa
de métodos mistos, partindo do pressuposto de que a combinação de diferentes
métodos para analisar o mesmo fenômeno pode ser uma abordagem interessante para
garantir que o objeto seja analisado de maneira fiel à realidade. No caso da
participação, o posicionamento é o mesmo: na defesa da combinação entre o voto
e as práticas de gestão participativa, considerando que o voto permite entender
uma visão geral que a Sociedade Civil tem sobre determinado governante ou valor
ideológico que está no poder, enquanto que a democracia participativa permite
resolver questões em nível local, aprofundando os problemas públicos
específicos de cada região do Brasil e entendendo quais são os anseios mais
importantes da Sociedade Civil sobre determinadas políticas públicas.
Por fim, cabe fazer a ressalva a respeito dos valores
ideológicos da autora deste trabalho, que podem influenciar a interpretação
sobre a participação nas políticas públicas.
REFERÊNCIAS
BRACKEN, Seán. Discussing the Importance of Ontology and
Epistemology Awareness in Practitioner Research. Worcester Journal of Learning and Teaching, v. 4,
2010, p. 1-9.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 ago. 2021.
BRASIL. Lei nº 9.709, de 18 de novembro der 1998. Regulamente a soberania popular. Brasília, DF. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm. Acesso em: 03. set. 2021.
CAMARA DOS DEPUTADOS. PEC 331/2017. Altera a Constituição Federal para incluir o veto popular. [2017]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2140426. Altera a Constituição Federal para incluir o veto popular. Acesso em: 03. set. 2021.
CUNHA, M. P.; REGO, A. Métodos qualitativos nos estudos organizacionais e de gestão. Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, v. 18, n. 3, p. 188-206, Rio de Janeiro, 2019.
DAGNINO, E. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa. Política & Sociedade, n. 5, p. 139-164, out. 2004.
DELE, S. G. B.; OLIVEIRA, O. P. Participação popular e transparência orçamentária: estudo de caso sobre a difusão do orçamento participativo nos municípios beninenses. 2021, 28p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais), Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2021. Disponível em:
https://repositorio.unifesp.br/handle/11600/60667.
Acesso em 15 ago. 2021.
DEMO, P. Demarcação científica. In: DEMO, P. Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1985.
DAHL, R. A. Um prefácio à teoria democrática. Ruy Jugnmann (trad). Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
HABERMAS, J. Direito e Democracia. Entre Facticidade e Validade. Trad. Flávio Sibeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
HAMERSKI, B. Entre o consultivo e o vinculante: grau de vinculação do Poder Executivo Municipal às decisões dos Conselhos Municipais de Políticas Públicas. 2021. 114 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Porto Alegre: PUCRS, 2021, no prelo.
KRONEMBERGER, T. S. et al. Os Conselhos Municipais de Políticas Públicas sob o Olhar da Comunidade: uma Experiência de Extensão Universitária. Desenvolvimento Em Questão, v. 10, n. 21, p. 146-177. Dsiponível em: https://revistas.unijui.edu.br/index.php/desenvolvimentoemquestao/article/view/341. Acesso em: 02. set. 2021.
MARTINS, C. E. Liberalismo: o Direito e o Avesso. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 46, n. 4, 2003, p. 619-660. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/Gtsc6zVj8SgcvB66RKNZwdw/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 13 ago. 2021.
MIWA, M. S.; SERAPIONI, M.; VENTURA, C. A. A. A presença invisível dos conselhos locais de saúde. Saúde Soc. São Paulo, v. 26, n. 2, p. 411-423, 2017. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2017.v26n2/411-423/pt/. Acesso em: 02. set. 2021.
PATEMAN, C. Participação e Teoria Democrática. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992.
PATEMAN, C. Participatory Democracy Revisited. Perspectives on Politics, v. 10, 2012, p. 07-19.
SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.
SENADO FERAL. Proposta de Emenda à Constituição n° 21, de 2015. Altera a redação do art. 14 da Constituição Federal, inserindo incisos que criam dois novos institutos da democracia participativa, o Direito de Revogação e o Veto Popular. [2015]. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120006. Acesso em: 03. set. 2021.
TOCQUEVILLE, A., 1805-1859. A democracia na América: leis e costumes de certas leis e certos costumes políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu estado social democrático. Trad. Eduardo Brandão. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
TSOUKAS, H. Introduction In: TSOUKAS, H. Complex Knowledge: Studies in Organizational Epistemology. Oxford. Oxford University Press, 2005. p 1-9.